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domingo, 6 de abril de 2008

Jesus: nosso companheiro de caminhada (Lc 24,13-35) (06/04/08)

JESUS, NOSSO COMPANHEIRO DE CAMINHADA

        Estamos no tempo Pascal que se estende por 7 semanas, do domingo de Páscoa à Festa de Pentecostes. É o mais belo e vibrante tempo de todo o calendário litúrgico da Igreja. Por ele, ela nos convida, através dos testemunhos das Escrituras e de testemunhas oculares a fortalecermos nossa adesão pessoal ao motivo maior de nossa fé: a RESSURREIÇÃO DE CRISTO. De fato, diz Paulo: Se Cristo não tivesse ressuscitado, a nossa fé seria vã e os nossos pecados não poderiam ser perdoados; a nossa esperança seria limitada apenas a esta vida e seríamos os mais infelizes de todos os homens (1Cor 15,17-19).

        No domingo passado Jesus aparece aos seus e confirma a fé de Tomé, que figura todo seguidor de Jesus que ainda conserva dúvidas em seu coração sobre o fato da sua ressurreição dentre os mortos. Neste domingo Ele volta a aparecer a dois discípulos que caminhavam de Jerusalém para seu povoado chamado Emaús. Como dissemos, as aparições do Ressuscitado 3 dias depois de sua morte têm esse caráter de CONFIRMAR A FÉ dos apóstolos e  discípulos e lhes reunir em torno de si para proclamarem a todos os povos que a morte foi vencida pela vida, que a escravidão deu lugar à liberdade, que o pecado foi suplantado pela graça.

        Essa passagem é exclusiva de Lucas e é bastante possível, conforme confirmação de inúmeros estudiosos, que os fatos originais tenham sido reelaborados pelo evangelista no intuito de servir como catequese para ajudar as pessoas iniciadas à fé cristã. Seja como for, isso não invalida e nem tampouco diminui a veracidade da aparição de Jesus VIVO aos dois discípulos, pelo contário: Lucas aproveita essa verdade para ensinar e fortalecer a fé dos primeiros catecúmenos da Igreja. Um curioso e inteligente paralelismo entre essa passagem e a estrutura da celebração da Missa (composta de dois grandes momentos, a saber, Liturgia da Palavra e Liturgia Eucarística) faz supor na comunidade de Lucas uma experiência de vida eucarística precedida pelo ensino da Palavra ministrado pelos Apóstolos. Basicamente a passagem de hoje é o que vivemos em cada domingo em nossas igrejas: Jesus reparte conosco, na Liturgia da Palavra, o pão da Palavra e na Liturgia Eucarística, o pão Eucarístico (seu próprio corpo e sangue sob a forma aparente do pão e do vinho). Assim, podemos nós também sentí-lo VIVO e PRESENTE em nossas vidas como o sentiram os discípulos de Emaús.

 

13Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado, chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém.
14Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido. 15Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles. 16Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não o reconheceram.

        O "primeiro dia da semana" é o domingo, neste caso, o domingo em que algumas mulheres e, mais tarde, Pedro e João tinham corrido até o sepulcro, encontrando-o vazio. Supõe-se, pelo conhecimento das notícias que eles relatam sobre o aparecimento de Jesus às mulheres, que  esses dois discípulos estivessem em Jerusalém com os demais e teriam saído para Emaús. Como são cerca de 11 km e eles chegaram ao anoitecer, podemos supor que teriam saído próximo às 3 da tarde de Jerusalém (se considerarmos que viajavam a pé e eram sujeitos sadios andando a uma velocidade média de 4 km/h). Então, (são só suposições), como Jesus logo lhes aparece e lhes acompanha, teriam andado com ele aproximadamente duas horas e meia, tempo necessário para que o Cristo lhes abrisse os olhos do coração através das Escrituras. Porém, mesmo durante todo esse tempo, eles não o reconheceram. Por quê? A teologia explica, baseada em características reveladas pela Palavra de Deus, que após a ressurreição, o corpo glorioso de Jesus assume uma outra relação com o mundo criado: ele não está mais sujeito às leis da física. Relembremos a passagem do domingo passado:

"Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: "A paz esteja convosco"! (Jo 20,19).

Mesmo fechadas as portas ele entra. Mas não é um fantasma porque pode ser tocado:

"Depois disse a Tomé: "Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado" (Jo 20,27).

Em outra passagem deixa claro que fantasma não tem corpo e nem ossos:

Mas Jesus disse: "Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho" (Lc 24, 38s) 

Um fantasma também não se alimenta como ele: Então Jesus disse: "Moços, tendes alguma coisa para comer?" (Jo 21, 5).

Portanto, para reconhecer a Jesus nesse novo estado, os olhos físicos já não são suficientes. É preciso olhar com os olhos do espírito, com os olhos da fé, que enxergam muito além das aparências. Lembremo-nos quando nos falou sobre o juízo final:

 

"Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo. Pois eu estava com fome e me destes de comer: estava com sede e me destes de beber eu era estrangeiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente e cuidaste de mim, na prisão e  foste me visitar então os justos me perguntarão: Senhor quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede, e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro, e recebemos em casa, sem roupa, e vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar? Então o Rei lhes responderá: Em verdade vos digo todas as vezes que fizestes isso a um destes pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!" (Mt 25, 34ss)

        O Cristo não está apenas presente, VIVO e ATUANTE na Palavra e na Eucaristia, mas precisamos alargar nossos conceitos mesquinhos e, muitas vezes, hipócritas para lhe enxergarmos na ingenuidade de uma criança, na sabedoria de um idoso, na alegria de se fazer o outro feliz, no sofrimento do irmão que passa fome ao nosso lado ou que não tem condições de tratar decentemente seu filho com dengue, e  sobretudo, em nós mesmos, uma vez que somos templos do Espírito Santo e nem sempre respeitamos essa casa de Deus, morada do Altíssimo, descuidando de nossa própria saúde. Quantas vezes reclamamos que Deus não liga pra gente e abandonamos a oração, a Igreja, a fé, quando somos nós que estamos como que cegos, incapazes de reconhecer o Senhor que coloca-se ao nosso lado, que caminha conosco, sob todas essas formas. Senhor, não permita que continuemos cegos!

 17Então Jesus perguntou: "O que ides conversando pelo caminho?" Eles pararam, com o rosto triste, 18e um deles, chamado Cléofas, lhe disse: "Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?"
19Ele perguntou: "O que foi?" Os discípulos responderam: "O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e diante de todo o povo. 20Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. 21Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram!

        O que Cléofas responde é uma parte do chamado "kerigma" pascal, isto é, uma parte do primeiro modo como os seguidores de Cristo começaram a anunciá-lo aos demais povos. O  kerigma completo nos é bem apresentado por Pedro no dia de Pentecostes quando tomando a palavra disse (ver primeira leitura): "Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem aprovado por Deus, junto de vós, pelos milagres, prodígios e sinais que Deus realizou, por meio dele, entre vós. Tudo isto vós bem o sabeis. Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios, e vós o matastes, pregando-o numa cruz. Mas Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse" (At 2,2 2ss).

Cléofas e o outro discípulo estão totalmente desacreditados na conclusão do kerigma: Deus ressuscitou a Jesus... Um grande desânimo está abatendo seus corações. Lucas revela esse sentimento ao descrever a tristeza de seus rostos. Imagine a feição de uma pessoa voltando do funeral de um ente muito próximo e você chega e pergunta: "Fulano, o que foi?" Consegue visualizar o rosto dessa pessoa? Consegue identificar os sentimentos por detrás de suas feições? Elenquemos alguns:

tristeza profunda e sentimento de dor pela perda de alguém que muito significava; no caso deles, tinham apostado todas as suas fichas num cara que era sinônimo de libertação da opressão de outros povos (principalmente do império romano na época); total decepção!

- sentimento de impotência: não podemos fazer mais nada; no caso deles, terão que abandonar suas espectativas e voltar a viver a vidinha sob as regras do império dominante;

- frustração, desânimo, depressão, total perda de esperança...

Esses eram alguns dos sentimenos que seus rostos tristes denunciavam. O acento sobre o fato de já fazerem 3 dias que essas coisas tinham acontecido, reflete a TOTAL PERDA DE ESPERANÇA em Jesus pois, segundo a crença da época, depois de 3 dias o espírito abandonava o corpo do defunto, entregando-o a corrupção, e a morte era considerada DEFINITIVA! Lembre-se das palavras de Maria pouco antes da ressurreição de Lázaro: "Jesus ordenou: Tirai a pedra. Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal, pois há quatro dias que ele está morto" (Jo 11, 39).

 

25Então Jesus lhes disse: "Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! 26Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?"
27E, começando por Moisés e passando pelos Profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele.

        Então, o próprio Jesus explica como é possível experimentar sua presença através das Escrituras e da mesa Eucarística. A menção de Moisés e dos Profetas designa todo o Antigo Testamento: toda a Escritura converge para Cristo e nEle encontra Pleno cumprimento. Como somos sem inteligência e lentos para crer! Como nos é mais fácil perder horas em frente à TV do que refletir alguns minutos sobre um versículo da Palavra de Deus. Investimos tanto tempo em tantas coisas vãs que não nos trazem senão um prazer passageiro e fugaz e deixamos de usar nossa inteligência para correr rapidamente para nossa salvação!

 

28Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. 29Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: "Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!" Jesus entrou para ficar com eles.

        O fato de Jesus simular que ia mais adiante revela-nos duas verdades sobre Ele em nossas vidas:

1. Jesus QUER FICAR CONOSCO

2. Mas não força a entrada. QUER QUE O CONVIDEMOS!

Ele é maravilhosamente respeitoso de nossa liberdade. Não deseja que ninguém o aceite contra a vontade, por mais que deseje participar de nossa vida! Sabe que só seremos realmente FELIZES quando lhe dermos o nosso SIM, quando lhe CONVIDARMOS para ficar conosco. Os discípulos reconhecem isso, o convidam e Ele prontamente aceita. A noite naquela região desértica era cheia de perigos: animais selvagens e ladrões eram as maiores preocupações para os viajantes, principalmente se estivessem à pé; sem falar no frio que poderia chegar a 10 graus abaixo de zero. Os discípulos, ao longo daquelas agradáveis horas de caminhada com aquele estranho, sentem que podem confiar nele, sabem que existe algo a mais e estão gratos pela atenção, sabedoria e revelações sobre a pessoa do Cristo com eles partilhada. Nutrem estima por aquela pessoa que conheceram a pouco tempo e sua educação alicerçada na hospitalidade não permite que deixem aquele irmão continuar sua jornada durante a noite.

Jesus anda conosco, mas por vezes, quando chega a "noite de nossa alma", esquecemo-nos de convidá-lo para ficar conosco e o deixamos de fora. Quantas vezes temos medo de situações com as quais não sabemos lidar na vida familiar, em nossa atividade profissional ou na comunidade eclesial e ao invés de buscarmos nEle nossa força, o deixamos de lado e tentamos resolver as coisas pela nossa própria cabeça, sem a direção e a luz de sua presença. Ele quer nos ajudar! Ele está pronto a entrar em nossas vidas e assumir o controle nesses momentos mais difíceis mas aguarda nosso convite para poder entrar e ficar conosco.

 

30Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. 31Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles. 32Então um disse ao outro: "Não estava ardendo o nosso coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?"

Enquanto a Sagrada Escritura faz arder o coração, a Eucaristia acaba com a incapacidade de enxergar! É como uma cura através de dois remédios. No momento em que os discípulos reconhecem Jesus, sua aparência física já não é mais necessária. Tampouco adiantaria que Jesus apareceresse hoje em carne e osso a quem já acredita plenamente nEle. Na verdade Ele continua querendo que o enxerguemos nas Escrituras (principalmente em nosso próximo) e na Eucaristia.

 

33Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros. 34E estes confirmaram: "Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!"
35Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão.

        O coração dos discípulos se enche de alegria, sua alma de ânimo, seus corpos cansados de novo vigor pela grande notícia que tinham que levar aos demais. Por isso saem naquela mesma hora e voltam para Jerusalém. Devem ter chegado muito tarde mas nem o frio, nem a escuridão, nem as armadilhas que poderiam encontrar no caminho são capazes de lhes causar alguem temor e isso porque levam dentro de si a LUZ do Ressuscitado e a certeza de que Ele os acompanha. Quando o discípulo está acompanhado por seu mestre não lhe pode invadir nenhum temor. Aqueles que, sem esperança, tinham abandonado a comunidade para voltar à suas vidinhas medíocres, agora, revigorados pelo Senhor, são congregados por Ele. Jesus é o ponto de união, pedra fundamental da Igreja que nasce. Ele é o centro para o qual tudo converge!

 

Irmãos,

que maravilhosas lições tiramos desta passagem:

1. Jesus caminha conosco

2. Quer participar de nossa vida

3. Espera que o convidemos par tomar posse de nosso coração

4. Nos reúne em torno dele como comunidade eclesial

5. Se dá a conhecer pela Palavra e pela Eucaristia

        Que o Senhor está conosco, todo o tempo, bem o sabemos. Contudo, é nos momentos mais difíceis, quando estamos mais desanimados, tristes, frustrados, sentindo o peso da dor de nossa imperfeita condição, sem nenhuma esperança de solução para uma determinada situação, que Ele se achega ainda mais (lembro-me aqui do bonito poema "PEGADAS NA AREIA"). Mas como é difícil enxergá-lo. Nos é muito mais fácil louvá-lo e agradecê-lo quando tudo vai bem, mas quando estamos diante de situações complicadas, onde o mundo parece desabar sobre nossas cabeças, se torna tão complicado reconhecermos que Ele está ao nosso lado, pedindo para assumir o controle. Achamos que temos condições de tudo empreender e de tudo fazer acontecer mas nos esquecemos que, fora algumas poucas coisas, sobre todo o resto não temos nenhuma influência. Temos que parar de nos dar tanta importância, achando que tudo depende de nós. Falácia! Ele caminha conosco e está interessado que o enxerguemos e que a Ele dediquemos nossas vidas; todo o resto nos será acrescentado. Temos essa coragem? Temos a coragem de abrir nosso coração e convidá-lo a entrar e comandar nossas decisões?

 

FICA CONOSCO, SENHOR, PRINCIPALMENTE QUANDO CAIR A NOITE DA NOSSA INCAPACIDADE DE ENXERGÁ-LO E DE DEIXÁ-LO NO COMANDO DE NOSSAS ATITUDES. TÚ ÉS A LUZ E CONTIGO AS TREVAS JÁ NÃO NOS ASSUSTAM OU PREOCUPAM. REVELA-NOS A TUA PRESENÇA NAS ESCRITURAS E NO PARTIR DO PÃO, TANTO NO ALTAR COMO EM NOSSO DIA-A-DIA, COM QUEM MAIS PRECISA. ASSIM, ABRIR-SE-ÃO NOSSOS OLHOS E PODEREMOS ANUNCIAR AO MUNDO A MARAVILHA QUE É VIVER SOBRE TUA PROTEÇÃO! AMÉM!

 

Humberto Selau Inácio

humberto@ciser.com.br

 

P.S.: Segue uma música para ajudar na reflexão!



Um comentário:

  1. Meu caro Humberto,
    Que bela reflexão você fez hoje!!!
    A medida que fui lendo, foi como se estivesse caminhando com o próprio Jesus, que ia acalentando meu coração com palavras de ânimo e conforto, me mostrando novas perspectivas, novos ângulos para enxergar a beleza escondida nos detalhes que só se enxerga com os olhos do Espírito... Aliás, suas reflexões e colocações são sempre bastante inspiradoras para mim, e tenho certeza que os nossos leitores também estão se sentindo presenteados com as suas reflexões.
    Que Deus lhe preserve assim, imitação de Jesus, companheiro de caminhada...
    Muito obrigado!

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